Pesquisa da UFRN comprova incidência de câncer pela ingestão de água em município potiguar
O semiárido brasileiro abrange uma área de 974.752 km2 dos quais 86,5% ficam no Nordeste. Os rios, em sua maioria, são intermitentes. As chuvas, irregulares, concentram-se em poucos meses do ano, e a evapotranspiração – perda de água de uma comunidade ou ecossistema para a atmosfera – é elevada. Na região semiárida do nordeste brasileiro a escassez hídrica é uma realidade que deriva de aspectos climáticos, levando a sua população a enfrentar longos períodos de estiagem. Nesse contexto, a água de boa qualidade é escassa e representa um patrimônio natural de imenso valor socioeconômico.
O Rio Grande do Norte apresenta grande parte do seu território inserida na região semiárida brasileira, caracterizada pelo clima seco e quente, com chuvas que se concentram nas estações de verão e outono. Os solos são rasos, com ocorrência de vegetação do tipo xerófila, resistente a longos períodos de estiagem.
Diante desse cenário, foram construídos reservatórios, regionalmente chamados de açudes, para tentar amenizar as consequências da seca, que são utilizados para atividades de aquicultura, irrigação, lazer, pesca, entre outros. De acordo com a pesquisadora Viviane Amaral, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), estudos realizados nos principais reservatórios da região semiárida do Rio Grande do Norte revelaram sérios problemas de qualidade de água, incluindo a contaminação por metais. A pesquisa foi realizada somente pela UFRN, sem parcerias com outros órgãos. O objetivo principal do projeto é levar o conhecimento da universidade para as comunidades.
“Os resultados desses estudos indicam que a gestão inadequada de recursos hídricos pode ser o principal entrave para a conservação e uso sustentável dos mananciais disponíveis no semiárido brasileiro”, destaca a pesquisadora.
A boa qualidade da água deve ser mantida para garantir o uso de populações que dependem dela. De acordo com Viviane Amaral, como o cultivo de peixes e a pesca no Rio Grande do Norte são atividades de grande importância, uma vez que contribuem com a economia e geram renda para pescadores, aquicultores e a comunidade em geral, a situação requer maiores cuidados. “A perda da qualidade da água do açude, além de se tratar de um problema ambiental, é também um problema social, já que a saúde e a economia da comunidade são diretamente afetadas”.
Segundo a pesquisadora, medidas eficazes, sejam tecnológicas ou educacionais, precisam ser implementadas de maneira satisfatória para incentivar a conservação dos corpos d’água. “Dentro desta perspectiva, a pesquisa vem mostrando que a influência do fenômeno da radiação natural na saúde das populações que vivem nestas áreas de riscos. Ainda, não temos números, mas no prazo de dois anos, estaremos com todos os dados, os quais serão entregues aos órgãos responsáveis da sociedade civil”.
Diante deste panorama de problemas, a pesquisa foi direcionada para o município Lajes Pintadas/RN por ser o município com maior incidência de casos de câncer por ingestão inadequada de água, segundo a OMS.
Lajes Pintadas e a toxicologia de suas águas
Situado na mesorregião do Agreste Potiguar, a 135 quilômetros de Natal, o município de Lajes Pintadas tem uma população de 4.614 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010.
A cidade fazia parte do município vizinho chamado Santa Cruz quando o açude público foi construído no ano de 1953 com capacidade máxima de 6.000.000 m3 e a finalidade de abastecer a comunidade que se formava e não possuía água encanada, sendo castigada pela seca. O abastecimento por meio deste corpo hídrico foi imprescindível para fornecer matéria prima e condições para que a comunidade de Lajes Pintadas se estabelecesse. O açude supriu por muitos anos a população até o momento em que a adutora Monsenhor Expedito, que hoje abastece 23 localidades da região Agreste do estado, fosse liberada para o trecho do Trairi no ano de 2003.
A pesquisa realizada pela professora mostra alguns problemas enfrentados no município. “Um estudo prévio realizado pelo nosso grupo de pesquisa demonstrou que a população ainda depende do açude de Lajes para inúmeras atividades, como o abastecimento de água e pesca, já que a adutora ainda não chega às casas mais próximas ao açude”, esclareceu Viviane.
Outro ponto de fundamental importância é que no município existem afloramentos rochosos com a presença de ionizantes naturais que liberam o gás radônio e, consequentemente, o chumbo para o ambiente. Além disso, outro dado peculiar é que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2010, Lajes Pintadas apresentou 415,2 casos de câncer num total de 4.614 habitantes. O número é superior ao registrado na capital do RN, que foi de 353,5 novos casos e tem 806.203 habitantes.
Os tipos de câncer mais comuns neste município são os de orofaringe, estômago e pulmão que, de acordo com a literatura, podem estar associados à contaminação por radônio, substância contida na água de algumas regiões do semiárido potiguar. A pesquisa mostra que esta alta incidência de casos de neoplasias na população de Lajes Pintadas pode estar associada à exposição à radiação natural e seus subprodutos como o radônio e os metais pesados que estão em grande proporção presente na água.
“Estudos prévios realizados na pesquisa identificaram um aumento na frequência de mutações cromossômicas em organismos indicadores expostos às águas do açude de Lajes Pintadas. Adicionalmente, foram identificados altos índices de radiação em 26 pontos distribuídos ao longo do açude e uma alta concentração de metais, em especial o chumbo”, explicou.
O estudo também expõe que estes valores foram significativamente maiores em períodos de grande escassez hídrica, como demonstrado em uma série de trabalhos que avaliam poluentes em amostras de corpos d’água. Diante desta situação, estudos envolvendo o impacto dos agentes físicos e químicos, presentes nestas amostras de água, na saúde humana são de fundamental importância.
Avaliação Toxicológica
“Diante do exposto, o processo de decaimento do urânio somado às condições climáticas desfavoráveis, torna-se uma preocupação no âmbito toxicológico devido aos diferentes efeitos em consequência da contaminação por radônio e chumbo amplificada pela escassez hídrica. Nesta perspectiva, o nosso projeto propõe realizar uma avaliação do risco carcinogênico e não carcinogênico na população humana exposta naturalmente à radônio e ao chumbo no município de Lajes Pintadas/RN” conclui Viviane Amaral.
O que é Radiação Natural ?
Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica-AIEA (2007), o Brasil possui uma das maiores reservas mundiais de urânio, possuindo a sétima maior reserva geológica com cerca de 310.000t de U3O8, ficando atrás dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Rússia, Cazaquistão e Austrália os quais possuem uma reserva com volume em torno de 1.462.000t.
O urânio é o elemento químico mais pesado de ocorrência natural. Geralmente encontra-se disponível no interior da crosta terrestre, no entanto, processos naturais e antrópicos contribuem para a sua redistribuição em todo o meio ambiente. Com isso, há uma ampla distribuição deste metal em praticamente todos os compartimentos ambientais (rochas, solos, águas superficiais e subterrâneas, ar, plantas e animais).
Um dos isótopos formados na cadeia de decaimento do urânio é um gás inerte radioativo, o radônio. Este, por se tratar de um gás, tem como sua principal via de absorção o sistema respiratório. Pelo fato desse gás ser liberado por rochas e solos que contenham urânio, a contaminação através da exposição natural ao radônio é um fato de preocupação mundial. Segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), e o Programa Nacional de Toxicologia dos Estados Unidos (USNTP) o radônio é um agente carcinogênico humano, e quando ao inalar um átomo de radônio, ele pode se desintegrar dentro dos pulmões.
O chumbo inorgânico tem sido recentemente recategorizado pela IARC a grupo 2A como provável carcinogênico humano, portanto sua presença poderia influenciar positivamente na ocorrência de câncer pela exposição a radônio ao longo da vida.
“Níveis elevados de chumbo no sangue têm efeitos conhecidos relacionados com disfunção cognitiva, distúrbios neurocomportamentais, danos neurológicos, hipertensão e insuficiência renal. Os efeitos, relacionados à exposição ao chumbo, são distintos quando comparados em adultos e crianças. Tal fato pode ser explicado devido à suscetibilidade que o organismo apresenta no período da infância, principalmente no que diz respeito ao sistema nervoso, o qual se encontra ainda em formação”.
De acordo com a pesquisa, inúmeros estudos revelam que a presença de chumbo no sangue de crianças acima de 5 ug% causam alterações no sistema nervoso infantil, originando problemas nas funções cognitivas, distúrbios de comportamento, baixo rendimento escolar, diminuição da capacidade visual, dentre.